Um quintal para uma jardineira de apartamento

© Carol Costa/Minhas Plantas

Da jardineira de apartamento que ganhou um quintal


As descobertas e os aprendizados de morar por alguns meses numa casa em Holambra (SP) para construir um jardim com as próprias mãos

Por Carol Costa

Abri a tampa do tambor, de onde vinha um cheiro penetrante de comida estragada: embaixo de cinco camadas de telas, larvas se contorciam. "Floooooop, socorro!" Meu amigo Flores Welle, viveirista experiente, veio a meu socorro. Filho de um dos holandeses que fundaram Holambra (SP), Flop, como é chamado, olhou dentro do tambor de biofertilizante. "É, vamos ter de coar."
Faz três meses que me mudei temporariamente para a Cidade das Flores, o maior polo produtor de plantas ornamentais do Brasil. Há anos eu alimentava a vontade de fazer uma imersão por lá e o projeto finalmente virou realidade. Aluguei uma graciosa casa de madeira de uma dentista e convivi até com seus bichos de estimação, um dálmata e um gato — mansos com humanos, terríveis com plantas.

Tudo para transformar um quintal num jardim


Logo depois do Carnaval, fiz as malas e fui morar no sobrado de madeira da rua Pingo de Ouro. Durante 50 dias, eu e meus amigos transformamos o quintal em um jardim com árvores frutíferas, horta produtiva, painel vertical, coleção de orquídeas e suculentas, irrigação automatizada, lago ornamental, soluções orgânicas de adubação e controle de pragas e o que mais fosse possível implantar a poucas mãos.

Como o projeto exigia fôlego e experiência, "importei" parceiros. Do Rio de Janeiro, trouxe Flávia Nunes, professora de paisagismo do Jardim Botânico. De Bagé, divisa com o Uruguai, levei Tatiana Cavaçana e João Rockett, consultores em permacultura. Em Lençóis Paulistas, cooptei o laguista Rogério Bernardes. Em São Paulo, chamei Alice Izumi, especialista em iluminação no paisagismo, e, de Araras, vieram os responsáveis pela irrigação. Não sosseguei até levar o mestre Harri Lorenzi de Nova Odessa para o sobradinho em Holambra. Isso sem falar no casal de viveiristas de Holambra, Juliana Valentini e Flop, que compartilharam décadas de experiência da vida no campo e da produção de mudas e plantas. Sem exagero, contei com a ajuda de tanta gente do bem, de um timaço com tantos profissionais que uma certeza eu tinha: ia acabar querendo o morar naquele jardim.

Um quintal como laboratório de jardineira


Como eu adoro estudar e vivo fazendo cursos, queria testar tudo quanto é tipo de solução. Da agricultura biodinâmica, emprestamos a ideia da pasta curativa para tratar uma nogueira-pecã recém podada. Também nos inspiramos nas aulas de pós-graduação no Instituto Elo para plantar uma horta diretamente em fardos de feno. A permacultura gerou projetos muito bonitos e inteligentes de aproveitamento de materiais locais, como a espiral de ervas, a parede de pau-a-pique ou o revestimento ecológico. Fizemos um quiosque com mourões de eucalipto e telhado de sapê, um mimo.
Eu tinha tudo de que precisava: gente querida e experiente por perto, produtores de plantas por todos os lados, uma família muito generosa e paciente como "cliente" e grandes empresas dispostas a viabilizar esse projeto todo e transformá-lo em uma série para a internet: além da STIHL Ferramentas e do Jardim das Ideias, principais patrocinadores, também contei com a ajuda da Cobasi, da Leroy Merlin, da Isla Sementes, do Veiling e da Prefeitura de Holambra, da Spagnhol Plantas Ornamentais e da Editora Europa.

O aprendizado da jardineira Carol Costa


Aprendi a usar motosserra como se fosse filha de lenhadores. Descobri que um pouco de terra e água fazem coisas mágicas, de canteiros floridos a tintas de parede. Botei em prática a paciência com cachorros que invadem canteiros, gatos que dormem em cima das plantas, bichos que cavam buracos, fazem xixi quando dá na telha e roem o que parecer duro e suculento.

No dia a dia, no entanto, surgem mil e um pepinos, não importa quão bem assessorado você está. Nada parecia como na teoria. Esqueci de regar umas sementes e elas não germinaram. Calculei errado a quantidade de plantas nos canteiros e precisei correr atrás de mais. O revestimento ecológico feito com barro, água e leite rachava tão logo secava. Plantei plantas de sombra em local que batia mais sol do que eu imaginava e plantas de sol em canteiros que depois se mostraram sombreados. Quebrei canos, pisei em cocôs, saí correndo de medo de mamangava. Várias vezes fui dormir esgotada, com bolhas nas mãos, picadas de pernilongos nas pernas e a certeza de estar lidando com uma tarefa muito maior do que sou capaz de enfrentar. Dei umas reclamadas. Xinguei em vários idiomas. Esmoreci. Quebrei dente.

Eu estava quase chorando quando Flop colocou a mão no meu ombro e propôs que coássemos o adubo do tambor. "Eu não saí de Piracicaba pra desistir por causa de uns bichinhos minúsculos", pensei. Engoli o choro e o nojo e fui ajudar meu amigo a virar 60 litros de adubo líquido numa peneira. Olhei pro meu amigo viveirista e ele seguia impávido, como se coasse café. "Esse material daria uma boa pescaria", falou Flop. E não é que ele tinha razão? Pensei em todos os peixes que colocamos no lago e em como, na natureza, tudo está interligado. Do nada, as coisas se encaixaram.

O jardim é um ecossistema completo


O tambor de biofertilizante poderia gerar alimento para os peixes. A parede de barro, depois de uma ou outra demão, ficava sólida como uma pedra. As plantas de sol sombreadas por outras logo se espicharam e conseguiam crescer mais depressa, encontrando a luz de que tanto precisavam. E as sementes que morreram, de fato, não poderiam ser ressuscitadas, mas começar uma nova sementeira não toma mais do que alguns minutos e, cobrindo a jardineira com um saquinho, você não precisa ficar tão preocupado com as regas.

Essa foi a maior lição que os 50 Dias de Verde me deram: a natureza nos faz um convite contínuo para aceitar, aprender e seguir em frente. Torcendo para você perdoar minhas falhas e, quem sabe, aprender novos truques. Se animou a começar um jardim? Oba! Vá em frente! Vai dar trabalho, viu? Você vai querer desistir. Mas persista. Depois de uns perrengues, você descobrirá que o que parecia ruim virou adubo para flores, folhas e árvores. Que os pássaros chegam assim como as pragas. Que as flores que murcham podem se recuperar e aprender a crescer no sol. E, quer saber da melhor parte? Você vai poder morar no seu jardim depois que acabar. :)

5 dicas de ouro que aprendi na casa em Holambra


1: Juntos somos fortes
Vendo agora o projeto concluído, muita gente se pergunta como fazer tanta coisa em tão pouco tempo. Você talvez não consiga realizar muitas dessas tarefas sozinho, mas, com a ajuda de amigos e especialistas, certamente se encherá de coragem e disposição. Peça ajuda e dê início aos trabalhos, nem que seja pra fazer um pouco por dia.

2: Fazendo a ronda
Virou uma rotina: todos os dias, logo depois de tomar café, eu ia projeto por projeto no jardim inspecionar as verdinhas. Via quem secou, quem precisava de mais espaço, quanto cresceu o sapatinho-de-judia. É uma delícia acompanhar assim de perto e cria uma intimidade muito boa com as plantas. Sem falar que você fica ligeiro pra detectar falhas e consegue resolvê-las antes que virem grandes problemas.

3: Até elas se acostumarem
Muitas plantas de sol são cultivadas em estufas, crescendo só na claridade. Crótons, suculentas, ervas aromáticas, quase tudo isso é de sol pleno, mas está acostumado a crescer só na claridade. Aumente a incidência solar aos poucos, para dar tempo de as plantas se adaptarem.

4: Terra à vista não é bom
Na casa de Holambra, a gente se orgulha de ter usado cada pedacinho de tronco, galho, folhas e cavaco gerados com a poda da nogueira-pecã. Todo esse material foi triturado e serviu de mulching, a cobertura vegetal tão rica em nutrientes e que ajuda a proteger o solo de sol, chuva e pragas. Cubra os vasos e canteiros da sua casa com algum tipo de palha vegetal e você verá a diferença que isso faz na saúde das plantas.

5: 50 dias? Que nada!
Nós queríamos mostrar que é possível fazer muita coisa crescer, dar flor e fruto em pouco tempo, mas quem ama planta sabe bem que o trabalho num jardim nunca acaba — e a graça da jardinagem está justamente aí. Os 50 dias podem durar 50 prazerosos anos pra quem curte a natureza. :)

Publicado na Revista Natureza – 365

postado em 26/11/2018 - Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Curso Gratuito de Orquídeas - Resumos

Nossa jardineira Carol Costa criou um curso gratuito de orquídeas, com transmissões diárias no Stories do Instagram do Minhas Plantas. O curso começou no dia 30/04 e vai até o dia 05/05. Corre lá no perfil da louca das plantas no Instagram (clica aqui) pra assistir a última aula. Ah, … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Substrato

Substrato é o termo técnico pra nomear aquilo no que uma planta é plantada. Não é a mesma coisa que “terra” (um conjunto de características físicas, químicas e biológicas a que se dá o termo técnico de “solo”), mas você pode se referir a ele como a “terrinha” na qual … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

110 atividades de jardinagem

Ficar preso em casa, reclusão, quarentena, confinamento, não importa como é chamada essa temporada. Para evitar a propagação do Covid-19, muitas pessoas ficarão em casa o maior tempo possível. Adultos trabalharão no modo home office, crianças não irão às escolas e idosos permanecerão em seus lares. Mas, como diz nossa jardineira … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

Palhinhas protetoras

Quando pensamos em cultivar plantas, imaginamos que basta um pouco de terra ou substrato e, de vez em quando, adubo e água. Essa regra parece que é suficiente, seja para jardim, canteiro de horta ou apenas um vaso dentro de casa. Mas, entre o solo e as verdinhas, precisa ser … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Jardim vertical

Com os espaços cada vez menores em casas e apartamentos, a jardinagem precisou se adaptar e… escalar paredes! Jardins verticais, painéis verdes, quadros vivos, os nomes variam, mas a técnica é a mesma: trabalhar vasos presos na vertical, bem pertinhos uns dos outros, com ou sem irrigação automatizada, liberando espaço … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Carol Costa é A Louca das Plantas no GNT

No dia 01/02, às 22h, vai ao ar o quarto episódio do A Louca das Plantas no Canal GNT com nossa jardineira Carol Costa. Anote na sua agenda, cole um post-it na tv e ajuste o alarme do celular. Além disso, haverá reprises do programa, anote os dias e horários: … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Jardim para bruxas reais e fadas inventadas

Pelo olhar da infância, mesmo o menor dos canteiros esconde mistérios e seres mágicos, como grilos, joaninhas e mariposas Por Carol Costa Lembro do tanque de pedra, do cheiro de local úmido e sombreado, do limo escorregadio e do musgo fofo e macio. Lembro da água parada, um espelho perfeito … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Livro de Carol Costa é um manual para jardineiros

Nossa jardineira Carol Costa quer saber dos leitores como está o seu livro "Minhas Plantas - Jardinagem Para Todos (Até Quem Mata Cactos)". Já se passou um ano desde o lançamento e o livro tornou-se um querido manual para jardineiros de todo o Brasil. A piracicabana ainda brincou e desafiou … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

Corretor Ortográfico Ou Hortográfico?

Plantando dementes em ladeira íngrid É tanta mensagem doida e enigmática que chega por aqui que está na hora de inventarem um Corretor Hortográfico, para ajudar a gente a tirar dúvidas de jardinagem Por Carol Costa Anote a dica aí: jogue "dementes" num terreno "vadio" que ainda tenha a terra … (+)
Leia mais
© Bruno Geraldi

Aprenda a linguagem das plantas

Plantês para iniciantes Treine sua sensibilidade com este exercício simples, feito um minuto por dia, e veja como falar a língua das plantas ficará super fácil Por Carol Costa As pupilas estavam tão dilatadas que mal se via o amarelo nos olhos da gata. O rabo balançava freneticamente enquanto ela … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Insetos benéficos para seu jardim

Seres crocantes embaixo dos seus pés Se permita um novo olhar para besouros, aranhas, baratinhas e outras criaturas cheias de perninhas que trabalham pesado para seu jardim viver cheio de borboletas Por Carol Costa "Manhê!!! Tem um BICHO aquiiiii!" Dona Bia invadia o banheiro, abria o box com superpoderes de … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

A mensagem das pragas

A mensagem das pragas O que pulgões, formigas e cochonilhas podem dizer sobre a maneira como lidamos com nossa alimentação e o cuidado com as plantas Por Carol Costa Como exterminar lagartas? É possível erradicar pulgões? Tem alguma receita caseira matadora para cochonilhas? Toda semana me deparo com esses apelos … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Porque algumas plantas não se desenvolvem na sua casa

Quando a insistência enraiza no quintal Se você já tentou dezenas de vezes ter uma planta e ela sempre morre, um novo olhar para a natureza talvez seja a salvação Por Carol Costa "É a quinta vez que tento ter _________ em casa." Complete o espaço em branco com a … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Plantas com flores pequenas e exóticas

Uma planta conversando com Deus Conheça algumas flores discretas, minúsculas ou exóticas que parecem não ter pegado a mesma senha que roseiras e jasmineiros. Por Carol Costa É aqui a fila da flor? – É sim, meu filho. No que posso ajudar? – Olha, eu tô muito precisado da sua … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Um jardim pronto ou plantado por você?

Um jardim para já O passo a passo secreto para fazer um projeto paisagístico de sonhos em apenas... uma vida! Por Carol Costa "De que sabor é esse doce que você está comendo, Laurinha?" A pequena olha a embalagem como se soubesse ler, pensa um pouco e diz "sabor de … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Como ensinar jardinagem para crianças

Os feijões mágicos Eles não cresceram até revelar um lugar com a galinha dos ovos de ouro, mas trouxeram tesouros muito maiores para as crianças que aprenderam na escola a cultivar uma sementinha. Por Carol Costa "O meu ganhou! O meu ganhou!" Minha irmã entrou no quarto aos pulos, trazendo … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Brincar na terra e com plantas é bom para crianças e adultos

Tesouros escondidos lá fora Procurar bichinhos, subir em árvores, comer trevinhos e fazer bolo de barro são algumas aventuras que esperam você e seus filhos bem longe do computador. Por Carol Costa A receita era de família: um maço de trevos bem picados, água o quanto baste, dois punhados de … (+)
Leia mais
Mais