Jardim para bruxas reais e fadas inventadas
Pelo olhar da infância, mesmo o menor dos canteiros esconde mistérios e seres mágicos, como grilos, joaninhas e mariposas
Por Carol Costa
Lembro do tanque de pedra, do cheiro de local úmido e sombreado, do limo escorregadio e do musgo fofo e macio. Lembro da água parada, um espelho perfeito do céu, ondulada raramente pelo movimento daqueles morrinhos de pedra que, vez ou outra, esticavam quatro patas para fora da carapaça e revelavam ser tartarugas e não seixos. Lembro de pegar uma delas e segurar tão de perto que, se fecho os olhos, quase enxergo o desenho único que cada tartaruga tem em seu casco. Até dos lírios-da-paz eu me lembro, um tufo ralo, plantado na borda do tanque.
Eu tinha três anos e provavelmente já era míope, gostava de "ver com as mãos". O caracol era uma pedrinha que se movia, deixando um fio cintilante para trás, como João e Maria jogando migalhas na floresta. Será que o caracol não sabia o caminho de volta e precisava desse rastro para encontrar seus pais? Mas, ué, se ele carregava a casinha nas costas, os pais dele moravam ali, não moravam? Ou será que mesmo o menor do caracoizinhos, o mais bebê de todos os irmãos, já era mocinho para morar numa casinha SO ZI NHO?
O canteiro sem graça da minha infância era um universo cheio de mistérios. Eu queria descobrir o que fazia os trevos se fecharem quando escurecia — talvez a mãe deles chamasse de algum lugar secreto e eu não a ouvisse. Abaixava a cabeça até a orelha encostar na terra e ficava escutando, naquele silêncio solene de criança prestes a fazer arte. Não conseguia ouvir ninguém chamando os trevos para irem tomar banho que o jantar já estava na mesa e onde já se viu ainda não ter feito a lição de casa. Fechava os olhos para escutar mais longe e seria capaz de jurar que ouvia as raízes das plantas crescendo.
Mariposa é bruxa?
Nunca entendi por que as pessoas gostavam tanto de fadas, que não existiam, e chamavam de "bruxas" as grandes mariposas que apareciam dentro de casa, justo elas, que eu podia ver de verdade, ali, enormes, as asas aveludadas descansando em cima da soleira da porta. Vai ver os adultos se confundiam e aquilo era um tipo de fada, com asas grandes, corpinho esguio e poderes mágicos. "Ahhhhh, não acredito que esse bicho entrou outra vez, vou chamar seu pai pra tirar isso daqui!", berrava minha mãe. E lá se ia a minha chance de descobrir se as fadas existiam...
É por isso que eu gostava tanto do pátio do prédio. Não tinha mãe dando escândalo por causa de nenhum inseto. Eu podia deixar as formigas investigarem o meu dedo gigante, um bizarro "tronco" subitamente colocado em seu caminho. Gostava de ver como elas pareciam se falar com as antenas. "Ei, isso não estava aqui antes, estava?" "Atenção, fila, vamos ter de desviar!" E elas davam a volta pelo meu mindinho, uma atrás da outra, até descobrirem que ele mudou de lugar e agora atravancava outro trecho do caminho.
Mimosa, dormideira ou dorme-dorme (Mimosa pudica)
No pátio, tinha o canteiro das dormideiras, as delicadas forrações que brotavam como matinhos por cima da hera e gostavam de carinho. Lembro de passar o dedo nelas e ver, surpresa, que os folíolos se fechavam como pele arrepiada. Eu me agachava ainda mais e prendia a respiração: será que se ficasse ali, paradinha, as dormideiras achariam que eu tinha ido embora e se abririam de novo?
Jardim é também lugar de criança brincar
Nada era mais gostoso do que brincar no pátio do prédio. Nem as bonecas, que minha irmã tanto amava, valiam o desperdício de uma tarde de por e tirar roupinhas — e se Tathi insistia muito, as Barbies desciam todas para o canteiro de azaleias para um delicioso chá com bolinhos de terra. Enquanto minha irmã caçula brincava de pentear os cabelos de nylon das mocinhas de plástico, meu negócio era enfiar os pôneis no meio da grama-preta e fazê-los pastar entre as azedinhas. Ou montar uma casinha de Lego embaixo das palmeiras, ali onde a terra ficava cheia de coquinhos e meia dúzia de tiriricas insistiam em surgir.
Hoje, com duas sobrinhas pequenas, fico me perguntando se elas têm a cota suficiente de horas de sol, de caçar grilos e de saladinha de mato, essa imersão tão necessária na natureza selvagem. Será que a Patrulha Canina passeia no meio das ixoras? Ou o chá da Pepa Pig ocorre na floresta de fitônias cor-de-rosa? Torço para que o próximo combate dos Jovens Titãs seja bem longe da TV e do tablet, no canteiro mais perto — nem que o cenário seja do tamanho de um vaso de suculentas.