Tenha mais plantas e use menos desinfetantes
O verde domesticado
A jardinagem ganha cada vez mais espaço em casas, escritórios e apartamentos – mas nunca estivemos tão distantes do quintal de terra dos nossos avós
Por Carol Costa
Uma criança precisa de menos de 20 minutos fazendo bolinhos de terra ou correndo descalça no gramado para ir bem na escola, de acordo com cientistas da Universidade de Illinois. Uma famosa pesquisa da Universidade de Bristol sugere que o contato com a bactéria Mycobacterium vaccae, exclusivamente presente no solo, ajuda no desenvolvimento cognitivo e na concentração da molecada. Outro estudo, feito pelo Instituto de Saúde e Assistência Médica de Amsterdã, com 350 mil holandeses, associa o contato com a natureza ao controle de doenças variadas, de diabetes a hipertensão. Universidades idôneas no mundo todo seguem investigando como as plantas fazem bem pra gente, mas parece que nunca estivemos tão distantes de um contato real com elas.
Mais plantas dentro de casa
É verdade que vivemos a explosão das varandas gourmet, das salas urban jungle, das empenas-cegas tomadas por gigantes painéis verticais. Estive recentemente na Casa Cor São Paulo e todos os ambientes traziam um pouco de verde pra dentro de quartos, banheiros, lavabos, salas de estar, cozinhas e varandas. Em alguns espaços, era possível ver os troncos das árvores centenárias do Jockey Club São Paulo sendo contornados por tapetes, sofás e poltronas de design, numa proposta bela de convívio entre plantas e seres humanos. Em outros, grandes tampos de vidro encerravam grupos de suculentas, um deleite para os amantes dessas gordinhas (e um melancólico sofrimento para essas espécies que odeiam abafamento). Painéis, quadros e estruturas verticais variados sugeriam que é possível inserir o verde em qualquer canto, mas... será mesmo?
Porque não se deve usar desinfetante nas plantas
Todo dia, recebo no Minhas Plantas mais de 200 mensagens de leitores e ouvintes. Em muitas delas, sinto que a pessoa quer ter plantas, mas de uma maneira totalmente asséptica. Alguns me escrevem, inclusive, querendo dicas de como “esterilizar o solo”, comentando que têm nojo de borboletas (tijuro!) ou perguntando se faz mal passar desinfetante de privadas nas folhas das plantas pra que nunca peguem pragas. Deixei de ser orquidófila depois de ver como as pessoas enlouquecem por causa de uma pinta na folha da Cattleya – quando, na natureza, a planta está toda mordida de lagarta, com folhas secas grudadas por teias de aranha, nascendo no meio de um formigueiro e, ainda assim, lindamente carregada de flores.
Essa explosão de interesse pela jardinagem é super bem-vinda, é claro. Nunca chegaram ao Brasil tantos bons livros sobre o assunto, o tema ganha cada vez mais destaque em sites, revistas, canais de TV e internet. Paisagistas e jardineiros experientes têm dado aulas maravilhosas Brasil a fora, compartilhando com turmas cada vez maiores o quanto as plantas são pessoinhas especiais, como emprestam beleza para os espaços e também entregam mais qualidade de vida pra todos nós.
É mais fácil ter plantas dentro de casa do que você imagina
Gostar de plantas, no entanto, envolve aceitar tudo o que elas precisam para serem verdinhas felizes. E elas pedem tão pouco da gente! Um espaço adequado de substrato, um tanto de água, a quantidade ideal pra cada espécie de sol, um cadim de adubo. Ter plantas exige envolvimento – nada a ver com ter um painel numa caixa que tem irrigação automatizada e que a empresa vem, uma vez por mês, adubar pra você. Isso é tão artificial quanto ter filhos e deixá-los o dia todo na escola e a noite inteira com uma babá.
Assim como acontece com os filhos, pra quê ter plantas se você não vai se envolver com elas? Quem ama plantas de verdade não quer a varanda envidraçada que isola a sala do jardim, pra poder olhar a paisagem como se fosse um quadro. Os verdadeiros apaixonados por natureza querem justamente trazê-la pra dentro da sua vida com tudo o que isso envolve: os perfumes maravilhosos do chão de musgos, as flores caídas dos ipês, as folhinhas secas que estalam quando pisadas, as abelhinhas, as borboletas, cada pequeno inseto que compõe esse ecossistema tão rico e desconhecido.
Tudo bem querer a planta no vaso sem estragar o assoalho de madeira. Não tem nada demais desejar folhas mais brilhantes e saudáveis. Só fique de olho pra isso não virar uma neurose e você se afastar cada vez mais do que é natural. Planta não é uma fábrica infinita de flor, fruto ou folha. Segue ritmos delicados da natureza. Tem relações com fungos, bactérias e outros seres microscópicos que a gente simplesmente desconhece. Tem formas muito inteligentes de reconhecer dias mais curtos, de se adaptar à escassez de água, de entender quando é hora de brotar.
Que a gente seja capaz de aceitar e acolher toda essa diversidade linda dentro dos nossos lares. Que sejamos abertos a esse aprendizado de verdade, e não só pra postar nas redes sociais a nossa varanda gourmet. E que a gente tenha tanto repertório botânico na mente, que tenha visto tanta beleza natural ao nosso redor, que ao presenciar uma flor, ninguém ouse dizer “Que linda, é tão perfeita que parece de plástico”.
Publicado na Revista Natureza – 368