Se flor tivesse cérebro, pensaria em sexo - 2/2

De todos os estratagemas para evitar a autopolinização, nenhum supera os aplicados pela Amorphophallus titanum da foto aí em cima. Oriunda da ilha de Sumatra, essa planta coleciona superlativos: é a maior inflorescência do mundo, com um conjunto de estruturas florais de 3 metros de altura por 1,2 metros de diâmetro; possui um tubérculo subterrâneo da grossura da perna de um ser humano adulto, pesando mais de 77 kg; e consegue emitir quase tanto calor quanto um homem saudável, alcançando impressionantes 36ºC no auge da floração. Seu feito mais peculiar, no entanto, está em suas estratégias de reprodução.
Depois de 5 anos de amadurecimento, a Amorphophallus titanum produz uma gigantesca e solitária inflorescência, que emana o perfume pungente de peixe podre misturado a corpos em decomposição — daí seu carinhoso apelido, planta-cadáver. Composto por moléculas voláteis de dimetil trissulfeto e dimetil dissulfeto, o cheiro é aquecido por uma estrutura especializada, o espádice, para então atingir um raio de até 804 metros de distância. Tamanha fedentina logo atrai hordas de moscas, besouros, baratas, abelhas e outros bichinhos que gostam de se refestelar em qualquer dejeto orgânico sujo, úmido e mal cheiroso. Os insetos penetram pelas dobras da planta, ainda fechada, e ficam zanzando no meio de suas estruturas reprodutoras. À noite, a inflorescência se abre, mas dura apenas dois dias — para alívio dos povos indonésios —, revelando em sua curta vida uma das maiores sacadas vegetais a favor da polinização cruzada, ao amadurecer em tempos diferentes as duas partes de seu aparelho reprodutivo. Nas primeiras 24 horas, apenas a porção feminina da planta está ativa, recebendo dos insetos o pólen trazido de outra planta-cadáver. A porção masculina só é ativada no segundo dia, quando os visitantes começam a debandar, carregando consigo os gametas masculinos que serão levados para outro fedorento espécime.
O gasto de energia para concluir o processo todo é tão grande que a Amorphophallus titanum precisa de outros três anos para reconstituir seus estoques de nutrientes e armazenar energia suficiente para florir outra vez. “Sou fascinado por esse monstro”, comenta Mohammad Mehdi Fayyaz, diretor do departamento de Botânica da Universidade de Wisconsin-Madison, em Madison, nos Estados Unidos. Sua paixão por essa rara planta, aliás, transformou a última floração da Amorphophallus titanum, em 2001, em um acontecimento acompanhado por 25 mil visitantes à área de estufas e jardins da universidade, além de gerar um site com 900 milhões de views em apenas um mês. “No dia em que Big Bucky começou a abrir, o serviço de web-cam da universidade registrou quase 2 mil acessos por segundo”, comemorou Fayyaz, chamando sua querida planta pelo apelido que ela ganhou quando ainda era uma mera batatinha.
Por que tantos seres humanos se interessariam por uma planta considerada repugnante é uma pergunta difícil de responder, mas por que um ser vivo desprovido de cérebro se dá a tamanho trabalho só para se reproduzir, aí, sim, está algo fascinante. Não seria muito mais eficaz a planta simplesmente facilitar a polinização, deixando seus grãos de pólen em locais à vista de qualquer agente, fosse ele o vento, a água ou um animal qualquer? A resposta é não.
“Se a planta deixar seu polinário em um lugar de fácil acesso, qualquer animal não polinizador que esbarre nela levaria embora a única chance que a flor tem de se reproduzir”, explica a botânica e pesquisadora da USP, Ludmila Pansarin, uma das maiores especialistas brasileiras em biologia da polinização de orquidáceas.
Para que apenas o polinizador certo encontre os grãos de pólen tão obstinadamente protegidos pelas pétalas é que a planta cria tantas modificações de cor, cheiro, forma e textura. “Isso garante que somente um animal com tamanho e comportamento adequados será capaz de removê-los e levá-los até outra flor”, completa Ludmila.
Assim, flores vermelhas e alaranjadas são feitas exclusivamente para atrair pássaros e borboletas, enquanto as azuis e amarelas focam nas abelhas, que enxergam apenas espectros ultravioletas. Se o intermediário dos gametas for uma mariposa ou morcego, a melhor estratégia é florir à noite e oferecer algo para se comer ou, quem sabe, um cheiro doce e persistente. Aliás, para se ter uma ideia de sua importância na agricultura, uma única colônia de morcegos pode ser responsável pela produção anual de 9 milhões de mudas de árvores frutíferas.
Iludir ou agradar o polinizador é o que garantirá à planta que mesmo um visitante fugidio lhe ajude a gerar uma prole forte. A orquídea-cometa sabe bem como fazer isso: conhecida cientificamente por Angraecum sesquipedale, ela produz um estreito tubinho com néctar ao fundo, só alcançado pela língua de algumas espécies de mariposas, que promovem a fecundação da planta enquanto se alimentam.
Outras flores são tão rigorosas com relação a por quem permitem serem bulinadas que mesmo um inseto de comportamento semelhante ao do polinizador não poderia se passar por tal. É o caso da Cryptostylis ovata, polinizada por um tipo específico de vespinha, a Lissopimpla excelsa; da Drakaea glyptodon, visitada apenas pelas abelhas Zapilothynnus trilobatus; ou da Chiloglottis trapeziformis, polinizada por Neozeleboria cryptoides — cada uma dessas plantas emite um ferormônio específico para atrair os machos desses insetos.
A capacidade de produzir tantas adaptações, aliás, é ainda mais notável se lembrarmos que a maioria das plantas realiza essa mágica com apenas 12 nutrientes básicos. São substâncias tão elementares quanto um punhado de nitrogênio, fósforo e potássio, acrescidos de pequenas parcelas de ferro, boro, cobre, zinco, cálcio, enxofre, magnésio e manganês, além de pitadas quase insignificantes de molibdênio. Um elixir que, para uma flor, certamente deve ser afrodisíaco.
*Segunda parte da versão original de texto publicado na revista Superinteressante de março de 2012. Leia a primeira parte aqui.

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