A estiagem
Se você precisar de um jardineiro em Piracicaba – na hipótese improvável de não conseguir lidar sozinho com suas próprias plantas –, basta dar uma volta no quarteirão para encontrar umas crianças regando begônias, um rapaz franzino empurrando um cortador de grama ou um vizinho remexendo no jardim, com sua senhora por perto gritando "dá uma podadinha na amoreira também, Tião?".
Agora, ouse manter meia dúzia de violetas em São Paulo para ver a fúria divina se materializar em tudo quanto é tipo de praga possível, dos bíblicos gafanhotos aos pulgões menos litúrgicos. Num dia, são algumas mosquinhas brancas na romanzeira, no outro, umas lagartinhas até simpáticas na avenca e, logo, tem-se uma infestação. Quando você finalmente entrega os pontos, não acha um bendito jardineiro nem nos classificados. Depois de três meses procurando, chego à conclusão de que é mais fácil sapos caírem do céu do que encontrar alguém versado nas artes do ancinho e do rastelo.
Por tudo isso, você pode imaginar minha alegria quando, dia desses, vi um homem curvado sobre um canteiro de lírios, jaleco verde e cabelos faltando no cocoruto, cercado de ferramentas. Gesticulava enquanto tinha o que parecia ser um animado papo com uma das flores. Enfim, um jardineiro!
Bastou chegar perto do canteiro para minha fantasia de plantas bem-cuidadas murchar. Agachado, o senhor falava com um rapaz enfiado no fundo de um buraco no chão. Os dois terminavam a instalação de uns fios subterrâneos e reclamavam das condições de trabalho, já deviam ter sido rendidos por outra equipe que ainda não tinha chegado. "Sabem onde posso encontrar um bom jardineiro?" O mais velho levantou a cabeça e me olhou com a calma dos eletricistas que odeiam árvores. Passou uma ferramenta para o colega, cuspiu de lado e perguntou: "Pra quê?".