Paisagista da Costa Rica cria jardins sustentáveis
Em março de 2012, fizemos uma viagem temática com um grupo de paisagistas brasileiros à Costa Rica, para conhecer, pessoalmente, um dos melhores exemplos de sustentabilidade e preservação ambiental da atualidade no mundo. Lá, encontramos o costarriquenho Alberto Negrini, um paisagista, arquiteto e professor reconhecido, internacionalmente, pelo seu trabalho e sua experiência. Leia, abaixo, a entrevista que fiz com esta conceituada figura do paisagismo mundial:
Raul Cânovas - Qual é a sua formação e em qual faculdade você estudou?
Alberto Negrini - Formei-me como arquiteto, na Escola de Arquitetura da Universidade da Costa Rica. Faço parte da primeira graduação. Esta foi uma entidade que mudou paradigmas importantes na educação e que, além disso, impulsionou tendências de inovação e criatividade em todos os sentidos. Devo reconhecer que, desde o ano que antecedeu a minha entrada na Universidade, eu já sabia que queria estudar nessa área, mesmo que a carreira ainda não existisse naquele momento e eu não sabia que iriam abri-la. Quando chegou o momento, eu duvidei na escolha entre Arquitetura e Biologia. A primeira, por causa da criatividade, meu gosto pela especialidade (ainda que, neste momento, eu não o sabia); e a segunda, pela vida, pelas plantas. A primeira prevaleceu. No momento de concluir a carreira, minha tese foi uma síntese da arquitetura e da natureza. Uma vez concluído, pouco tempo depois, decidi “ligar os motores”, apesar de o paisagismo ser quase desconhecido no país (Costa Rica), decidi-me por este ramo. Há 20 anos, fundamos, com outras pessoas, a Associação de Paisagistas costarriquenses. O resto, é história.
Por que você decidiu se lançar no paisagismo?
Alberto - Acho que foi a síntese natural entre meus campos de interesse: o design e a natureza. Desde meu nascimento, tenho estado em contato com a natureza. Meus pais me ensinaram a apreciá-la e admirá-la; sempre estive em contato com ela, ficava maravilhado. Este sentimento e a emoção, pouco a pouco, alimentaram a intenção de compreendê-la e de entendê-la; assim que se de uma coisa com a outra não se pode resultar outra coisa que uma caldeira de emoções, de criatividade e o desejo de projetá-lo para as pessoas.
Qual é a importância da riqueza florística da Costa Rica em seus projetos?
Alberto - Na Costa Rica, vivemos rodeados pela vegetação, mesmo nas cidades, de qualquer lugar, podem-se ver as montanhas. Em todas as casas, há uma árvore, e, em qualquer sala ou corredor, há plantas. Estamos rodeados e vivemos entre espécies de índoles diversas, desde algumas, que, apenas, podem ser notadas, até outras, espetaculares, altas, baixas. Isto, para uma pessoa com suficiente sensibilidade, é levado ao apreço, e, desde então, a diversos níveis de envolvimento. Quando há a intenção de compreendê-la e, logo, de emulá-la através do desenho, a diversidade é a característica primordial do trabalho. O exercício profissional do paisagismo no nosso país tem diversas influências externas, algumas, formais, outras, estilísticas e, poucas vezes, conceituais; isto poderia levar, em alguns casos, a produtos que se afastam da nossa paisagem. Creio que, no meu caso, nunca deixei de sentir o chamado “emocional da natureza” e, cada vez, mais trato de compreendê-lo através do meu trabalho, desde o micro, até o macro. Com o passar dos anos, passei pela botânica, até a ecologia, e pela ética e a filosofia.
Quem são os seus clientes? Você trabalha mais com particulares, com empresas ou com o governo?
Alberto - Na Costa Rica, a demanda do paisagismo, mesmo que tenha aumentando, ainda é pobre. Nossos principais competidores são os viveiristas. Portanto, nossos clientes são pessoas com certo nível de sensibilidade ou com um certo grau de cultura geral para conhecer a profissão. Devido ao que o país estabeleceu em grande parte do seu desenvolvimento turístico em torno do ecoturismo, alguns projetos nessa área são clientes potenciais, mas, creio que constituem, principalmente, a segunda residência turística, ou mais, no geral, o desenvolvimento imobiliário paralelo a esse aspecto, principalmente o sol e a praia.
No meu caso particular, meus clientes são muito variados: hotéis, residências, alguns projetos imobiliários… Às vezes, o desenho paisagístico é solicitado pelo proprietário, outras, pelo arquiteto; em algumas ocasiões, trabalhei como consultor para estudos de impacto ambiental, em outras, para o desenho de piscinas. Já realizei projetos para os parques nacionais e outras áreas protegidas, públicas ou privadas, que, em especial, são projetos que desfruto muito.
Você também atende outros países da América Central?
Alberto - Sim, já desenvolvi projetos na Guatemala, no El Salvador e na Nicarágua. Também estive nestes países dando conferências e cursos.
Qual é a importância de praticar a filosofia sustentável em um jardim?
Alberto - Para impulsionar, realmente, a sustentabilidade, deve-se aceitar como premissa básica, a integridade do nosso mundo refletida no trinômio ambiental: o social, o econômico e a intersetorização, que define que não se pode tratar de um assunto, sem tratar dos outros de forma simultânea, pois todos são eixos transversais. A sustentabilidade se pode entender como a busca da eficiência ecológica do sistema, onde o ser humano interage com a paisagem da qual forma parte com seu aparelho cultural, econômico e tecnológico, sua espiritualidade e aspirações. Esta eficiência deve garantir a perdurabilidade do sistema, das suas relações e da qualidade de vida que sustenta. O objetivo é que se possam satisfazer as necessidades fundamentais da sociedade: de materiais, de educação, culturais, espirituais, etc. Deve-se entender o ser humano em todas as suas dimensões e não, unicamente, nas suas necessidades materiais. Não se deve pensar no ser humano, ou no seu crescimento, como consequência da elevação financeira. Então, o desenho do paisagista sob estas premissas, deve envolver, em primeiro lugar, uma atitude pedagógica, deve ensinar que é possível ser responsável ambientalmente e, ao mesmo tempo, criar algo belo, saudável e funcional. A eficiência do sistema deve passar, necessariamente, pela economia dos recursos e pela minimização da manutenção, para evitar o uso de produtos nocivos ao ar, ao solo, à água e outras formas de vida. Em especial, o desenho dos jardins nos permite aproximar as pessoas à natureza, e nos autoriza a mostrar que é possível outras formas de nos relacionarmos com ela do que a depredação ou à destruição. O uso das plantas nativas da zona onde estamos trabalhando é indispensável para cumprir estes objetivos, igualmente, a compreensão e o respeito dos fluxos da água, das correntes de ar, de energia ou dos corredores biológicos. Vejo isso, mais como uma responsabilidade para com o planeta e para com a zona, que uma alternativa. Ou somos sustentáveis agora ou não seremos mais. Claro, que isto inclui responsabilidades com o proprietário ou com os usuários, mas devemos ver mais além.
Como você faz para convencer os seus clientes da importância de respeitar um ecossistema?
Alberto - Pelo meu trabalho, em particular, não tenho que convencer os clientes em nada a respeito do ecossistema, geralmente, esta é a razão pela qual eles me procuram. Em algumas ocasiões, tive que “vender” a ideia da responsabilidade ambiental, mas não a faço com justificativas financeiras, mas, mostro-lhes as vantagens para o meio ambiente. Ressalto a importância para algum tipo de certificação, sobretudo, se são projetos turísticos e, além disso, destaco a conveniência entre a imagem que o estabelecimento projeta e o ambiente que gera. Se, mesmo assim, não há um convencimento, recorro às vantagens financeiras como o baixo custo da manutenção, ou que o lugar faz parte do atrativo (se são projetos turísticos).
O que pode um país como a Costa Rica, do o ponto de vista de um paisagista, mostrar ao Brasil?
Alberto - Por se tratar de um país pequeno, entendemos bem o sentido e a importância da diversidade. Em um espaço reduzido, aprendemos a ver distintos habitats e ecossistemas a se interagir. Por isso, creio que podemos mostrar-lhes como é que um jardim pode fazê-lo. Temos a possibilidade, também, de mostrar como converter caçadores e depredadores em guias turísticos; fazendas de gados, em projetos ecoturísticos; fazendas agrícolas, em paisagens agradáveis, diversos, interessantes, complexos; e o principal de tudo, é que a paisagem deve ser interessante, variada e complexa, a resgatar as características de cada lugar, o valor do detalhe e da micropaisagem.
Como é a sua atividade acadêmica na Universidade Veritas?
Alberto - Na Universidade, sou professor de Arquitetura. Concretamente, estou em dois cursos e uma oficina de design, além de ser tutor ou leitor em teses de graduação. Os cursos são: Paisagismo e Convergência e Intercâmbio. Este último é um curso no qual abordamos o espaço urbano, residual ou de interfase, sub utilizado, para ressemantizá-lo, dar-lhe um novo carácter, mas, partindo da realidade de um país subdesenvolvido, não vamos fazer uma nova cidade, pois não há recursos para as complexas transformações. Mas deve-se fazê-la, resgatando, respeitando e potencializando o caráter do lugar e promovendo as culturas locais. Enfim, entender que a globalidade na localidade trabalha o design do paisagismo urbano. A oficina de Design aborda o problema da relação entre o ser humano e a natureza, a procurar por lugares com dinâmicas particulares, para compreender o íntimo e o universal. Partimos do princípio que o design nasce do entorno, não se pode desenhar um lugar que não se compreende à cabalidade. Portanto, devemos conhecer as dinâmicas passadas e presentes, as tendências, os fatores de mudança, as ameaças, tanto naturais, como antrópicas. Também se propicia a compreensão particular e se enfatiza a percepção como elemento de entendimento e identidade. Ensinamos que o objetivo do design é o ser humano em todas as suas dimensões, no território.
Conte-nos um pouco sobre as suas participações internacionais, como em “Bilbao Jardim 2009″.
Alberto - Bom, já participei em alguns concursos. Creio que é importante fazê-los para a formação profissional. A nível nacional, já ganhei um de design de um espaço e recebi menções de honra em vários outros. Em 2009, decidi participar no concurso “Bilbao Jardim 2009”, com uma proposta que refletia sobre a necessidade de voltar a colocar a vegetação na cidade e me propus que fosse uma ponte entre essa latitude e o meu país. Eu quis mostrar um pouco da paisagem nacional. A proposta foi selecionada como finalista e tive que realizá-la, em Bilbao. Isto me permitiu conhecer uma cidade sumamente interessante, mas também, me possibilitou perceber que tínhamos um nível internacional. Não cabe dúvidas de que a experiência foi extraordinária. Ainda sou o único latino-americano que esteve entre os finalistas e, até aquela data, o único não europeu. O problema é que, para nós, estas aparições são caras, pois implicam horas de trabalho, e além disso, o envio do material também é de alto custo.
Você gostaria de vir ao Brasil para nos dar uma palestra mais ampla sobre tudo isto?
Alberto - Me encantaria ir ao Brasil, pois tenho muitas boas lembranças deste país. Ao parecer a nossa experiência e os assuntos que estamos desenvolvendo, podem ser de grande interesse, e estou certo de que, o conhecimento que vocês têm aí, pode se potencializar ao conhecerem o nosso.