A mulher que cria plantas dentro de lâmpadas
Juliana acordou um dia com a pontinha do dedo mindinho do pé direito meio verde. Se esforçou para lembrar de alguma pancada, quem sabe um tropeção de madrugada. Nada. Na semana seguinte, seu-vizinho também estava verde – claramente verde e não o roxo esverdeado típico dos hematomas. Juliana não saía de casa sem meias. Em poucos meses, o verde subia pelos calcanhares da jovem professora de fotografia. Então ela resolveu acabar de uma vez com aquilo: reuniu seus cadernos, pegou a velha câmera compacta e se mandou – de mala, gatos e cuias de cerâmica – para Holambra.
Quando conheci Juliana, a doença já não tinha mais tratamento. Ela colecionava variedades de sálvia e ninhos de passarinho. Há tempos tinha virado vegetariana e não bebia uma gota de café ou álcool "porque o gosto é ruim". Recebia as visitas deixando duas gérberas cor de laranja recém colhidas em cada cômodo e servindo cookies recém assados em guardanapos laranjas com desenhos de gérberas. No banheiro, até o papel higiênico ostentava ilustrações de cactos e joaninhas.
Logo percebi que tudo ao seu redor padecia do mesmo mal. Gambás caíam das árvores como frutas maduras. Árvores caíam no telhado como gambás maduros. Sua pacata gata da cidade se transformara em uma voraz caçadora de ratos e os trazia como troféus para a porta do quarto. Juliana gritava "Periquiiiiitaaaaa" – e a cachorra de nome Cuca aparecia. E pontualmente às 20h, uma rã menor do que uma moeda de R$ 1 se fazia ouvir pela casa amplificando seu coaxar dentro de um regador de plástico.
A vida de Juliana nunca mais foi a mesma. Num dia, ela resgata o cachorro que caiu num poço. No outro, replanta um lote inteiro de mudas de árvores comidas por vacas. Desde que o verde estacionou na altura de seus joelhos e os pés criaram raízes, Juliana nunca mais deixou de usar Crocs com meias. Para relaxar, lê coisas como "A Elegância do Ouriço" ou "Histórias de Cronópios e de Famas" – junto com guias de identificação de plantas e relatórios ambientais.
Debaixo de todo aquele verde alface, Juliana ainda faz coisas que me deixam bege, como organizar um viveiro inteiro tal qual uma planilha de Excell. "As mudas de cambuci estão na F-35", grita ela enquanto carrega um caminhão com uma floresta ainda criança. Ela aprendeu a manobrar trator, a ler as horas nas nuvens e a falar holandês – só não aprendeu a usar o Facebook porque ele é azul demais.
Hoje, quando olhei bem de pertinho, encontrei um fio de cabelo verde na Juliana. Achei melhor não contar. Não estamos numa boa Lua para podas radicais.