Por que cheiro de grama cortada faz tão bem?
Grama cortada e terra molhada estão entre meus cheiros preferidos. Invocam um passado bucólico que, na real, não vivi — mas memórias têm disso, de ludibriarem a mente para garantirem aconchego no coração.
Lembro de ter encontrado, anos atrás, uns frasquinhos de óleos com essências bem incomuns. Um deles era de “Grama”. Abri o vidrinho na esperança de reencontrar o cheiro da infância, quando eu arrastava o velho cortador de grama pelo quintal, as lâminas estalando de ferrugem e preguiça, espantando grilos e aranhas. Depois, amontoava o mato úmido em pequenas pilhas, que os pardais logo desfaziam, com pios alegres de quem encontrou tijolo e cimento em liquidação. O sol queimava as bordas dos cortes, ajudando as folhas a cicatrizarem a poda. Enquanto passava um pano no cortador, tirando das lâminas o que sobrou de verde, eu enchia os pulmões daquele ar, tão impregnado de cores que era quase uma pintura.
Ainda que bem honesta, a essência “Grama” era de uma limpeza quase hospitalar. Certamente continha a meia dúzia de moléculas complexas que o mato exalava quando podado, aquele cheiro úmido e penetrante de renovação. Mas onde estariam os grilos assustados, as aranhas sonolentas, os pardais felizes? Os brotos tímidos que enfim ganhavam luz, as minhocas fugidias, os vapores das entranhas da terra? A ferrugem do carrinho?
Vai ver, tudo isso faz parte de um cheiro só. O aroma da infância longe das capitais.