Perto do coração selvagem
Samambaias, fícus, peperônias e avencas compartilham meu teto há quinze anos, desde que decidi levar uma vida longe do interior. Mantê-las bonitas e verdejantes é uma questão de honra. Ainda mais quando minha mãe vem me visitar, com seus dedos verdes e olhos de lince, capazes de encontrar pulgões e cochonilhas numa velocidade próxima à da luz.
Já cometi loucuras em nome das plantas. Na madrugada em que meus tomates caíram da janela, depois de um vendaval, desci as escadas chorando para ir resgatá-los. Subi segurando um punhado de terra como quem carrega um sobrevivente. Também sofri horrores quando minha muda de mangueira secou, por puro despeito.
Depois dessas tragédias, transformei minha casa em lar temporário para as árvores. Recolho as mudas mais estropiadas que encontro e arranjo para elas meus melhores vasos e as maiores minhocas. Mantenho sempre cheias de água as garrafas Pet que uso para regar minha pequena lavoura – em menos de 24 horas, o cloro da água da torneira evapora e deixa de incomodar as plantas. Limpo folha por folha quando a poluição começa a encher as mudas de fuligem, mantenho a terra afofada e garanto que todas as plantas tenham sua cota mínima de sol, nem que para isso tenha de fazer um balé diário com os vasos. E, quando chove na rua, borrifo as folhas com água. Para que elas se lembrem de sua vida selvagem.
Mesmo com toda essa dedicação, sei que as árvores são como adolescentes: quando você se dá conta, já não cabem nas roupas de criança, não querem mais ouvir histórias antes de dormir e estão sempre com fome. Quando minha amoreira deu sinais de puberdade, os longos galhos alcançando o teto e saindo pela janela, soube que era hora de me despedir. Botei o vaso no carro e levei-o para um lugar onde a árvore pudesse crescer e descobrir o que é abrigar pássaros, esquilos e lagartixas. Ela está enorme e cheia de líquens. As folhas têm fuligem e os pássaros mal deixam as frutas amadurecerem. Ninguém falou que ser adulto é fácil.