A jardineira infiel
Preciso confessar: fui cleptomaníaca com plantas. Passei a admitir isso depois de saber que um casal de anfitriões escondia as orquídeas premiadas quando eu era convidada para jantar na casa deles. Em uma festa, peguei uma muda mesmo assim, só de raiva – e ela, só de birra, morreu.
Eu escolhia o restaurante não pelo verde que estava no cardápio e, sim, por aquele que via no jardim. O problema é que roubar mudas sem machucá-las era quase tão difícil quanto fazer isso sem ser vista. Exigia treino, perseverança e uma faquinha de ponta afiada. Primeiro, era preciso identificar o objeto de cobiça: podia ser uma petúnia, uma mini-rosa ou uma hera italiana. Eu chamava o garçom e reclamava do ponto da carne, fazendo uma cara de leve aborrecimento, algo entre o tédio e o blasé. Enquanto o rapaz voltava para a cozinha em prantos, eu pegava a faca e corria para o jardim.
Plantas são fiéis ao dono e se magoam facilmente. Por isso, eu precisa convencê-las a ir comigo. Quando notava que estavam indecisas, oferecia adubo foliar e um vaso novo. Sempre funcionava. Pegava um raminho com raízes, cortava e embrulhava no guardanapo. Aí, pedia a conta e voltava para casa o mais rápido possível, antes de ser delatada pelo rastro de terra no salão.
O que parecia o fim da história, no entanto, era só o começo. Ao torcer, dobrar e serrar um galho qualquer, tudo o que você consegue é uma promessa vã: a planta sofre tanto com essa truculência que dificilmente sobra energia para gerar raízes e brotos para seu "sequestrador". Isso sem falar que a tentativa de tirar uma muda dessa forma costuma estragar também a planta-mãe, numa sequência de mini desastres ambientais.
Mas cleptomania verde não é doença que se cure assim, facilmente. Então, mudei de vício: agora roubo imagens. Sabe aquela roseira espetacular que o vizinho tem? O xaxim arrebentando de flor-de-maio no caminho para o trabalho? O canteiro de azaleias que floresce o ano todo num jardim abandonado? O cacho de orquídeas quase caindo de tão pesado? Fotografo tudo. Até quando o garçom diz que não, minha senhora, aqui isso não é permitido. E ainda coloco no Minhas Plantas, pra matar os donos de raiva.
Sigo desafiando a lei dos jardins até que um garçom confisque meu iPhone.