Abaixo a grama
Às vezes, sou atacada por surtos políticos. O primeiro foi quando minha irmã brigou com uma vizinha e eu fui acionada para promover um tratado de paz. Minha missão diplomática acabou comigo segurando, de um lado, a garota mais velha, que ameaçava partir para uma invasão terrestre, e, de outro, a tampinha da minha irmã se desfazendo em insultos. Saí sem fechar sequer um pacto de não-beligerância e ainda ganhei uma cicatriz no pé.
Hoje, não faço mais lobby, parto logo para a ditadura. Com a zona em que transformaram a lei de zoneamento urbano, não consigo frear meus impulsos anti-democráticos. Se fosse secretária de Meio Ambiente, baixaria uma lei exigindo que cada edifício tivesse árvores em suas imediações em proporção igual ao número de apartamentos. Depois, numa manobra com a oposição, obrigaria as empreiteiras a construir prédios baixos: um novo pavimento só poderia ser erguido depois que as árvores tivessem alcançado a mesma altura.
Gramados seriam limitados. Para quê serve grama, se não para as empresas de cortadores de grama terem um sentido na vida? Grama não tem cheiro. Borboletas não ligam para grama. Grama não dá flor nem fruta. As únicas coisas que grama dá são trabalho e coceira – é por isso que a gente sempre acaba o piquenique sentado na toalha.
Na minha ditadura verde, quem se declarasse paisagista de interiores seria preso imediatamente. Se fosse um paisagista de jardim zen, então, prisão perpétua. Onde já se viu, ganhar dinheiro para colocar um pouco de areia e pedra num caixote e passar o dia varrendo tudo com um rodinho de madeira? Tenha dó.
Em compensação, estariam permitidos os jardins públicos e o plantio de árvores frutíferas em tudo que é pracinha, canteiro e terreno baldio. Quanto a isso, só uma condição: nada de fontes com anjinhos cuspindo água. E, claro, seriam multados os passarinhos neuróticos que insistem em cantar às três da manhã. Que boêmio pode dormir com esse barulho, santo deus?