Se flor tivesse cérebro, pensaria em sexo - 2/2

© Carol Costa/Minhas Plantas

De todos os estratagemas para evitar a autopolinização, nenhum supera os aplicados pela Amorphophallus titanum da foto aí em cima. Oriunda da ilha de Sumatra, essa planta coleciona superlativos: é a maior inflorescência do mundo, com um conjunto de estruturas florais de 3 metros de altura por 1,2 metros de diâmetro; possui um tubérculo subterrâneo da grossura da perna de um ser humano adulto, pesando mais de 77 kg; e consegue emitir quase tanto calor quanto um homem saudável, alcançando impressionantes 36ºC no auge da floração. Seu feito mais peculiar, no entanto, está em suas estratégias de reprodução.

Depois de 5 anos de amadurecimento, a Amorphophallus titanum produz uma gigantesca e solitária inflorescência, que emana o perfume pungente de peixe podre misturado a corpos em decomposição — daí seu carinhoso apelido, planta-cadáver. Composto por moléculas voláteis de dimetil trissulfeto e dimetil dissulfeto, o cheiro é aquecido por uma estrutura especializada, o espádice, para então atingir um raio de até 804 metros de distância. Tamanha fedentina logo atrai hordas de moscas, besouros, baratas, abelhas e outros bichinhos que gostam de se refestelar em qualquer dejeto orgânico sujo, úmido e mal cheiroso. Os insetos penetram pelas dobras da planta, ainda fechada, e ficam zanzando no meio de suas estruturas reprodutoras. À noite, a inflorescência se abre, mas dura apenas dois dias — para alívio dos povos indonésios —, revelando em sua curta vida uma das maiores sacadas vegetais a favor da polinização cruzada, ao amadurecer em tempos diferentes as duas partes de seu aparelho reprodutivo. Nas primeiras 24 horas, apenas a porção feminina da planta está ativa, recebendo dos insetos o pólen trazido de outra planta-cadáver. A porção masculina só é ativada no segundo dia, quando os visitantes começam a debandar, carregando consigo os gametas masculinos que serão levados para outro fedorento espécime.

O gasto de energia para concluir o processo todo é tão grande que a Amorphophallus titanum precisa de outros três anos para reconstituir seus estoques de nutrientes e armazenar energia suficiente para florir outra vez. “Sou fascinado por esse monstro”, comenta Mohammad Mehdi Fayyaz, diretor do departamento de Botânica da Universidade de Wisconsin-Madison, em Madison, nos Estados Unidos. Sua paixão por essa rara planta, aliás, transformou a última floração da Amorphophallus titanum, em 2001, em um acontecimento acompanhado por 25 mil visitantes à área de estufas e jardins da universidade, além de gerar um site com 900 milhões de views em apenas um mês. “No dia em que Big Bucky começou a abrir, o serviço de web-cam da universidade registrou quase 2 mil acessos por segundo”, comemorou Fayyaz, chamando sua querida planta pelo apelido que ela ganhou quando ainda era uma mera batatinha.

Por que tantos seres humanos se interessariam por uma planta considerada repugnante é uma pergunta difícil de responder, mas por que um ser vivo desprovido de cérebro se dá a tamanho trabalho só para se reproduzir, aí, sim, está algo fascinante. Não seria muito mais eficaz a planta simplesmente facilitar a polinização, deixando seus grãos de pólen em locais à vista de qualquer agente, fosse ele o vento, a água ou um animal qualquer? A resposta é não.

“Se a planta deixar seu polinário em um lugar de fácil acesso, qualquer animal não polinizador que esbarre nela levaria embora a única chance que a flor tem de se reproduzir”, explica a botânica e pesquisadora da USP, Ludmila Pansarin, uma das maiores especialistas brasileiras em biologia da polinização de orquidáceas.

Para que apenas o polinizador certo encontre os grãos de pólen tão obstinadamente protegidos pelas pétalas é que a planta cria tantas modificações de cor, cheiro, forma e textura. “Isso garante que somente um animal com tamanho e comportamento adequados será capaz de removê-los e levá-los até outra flor”, completa Ludmila.

Assim, flores vermelhas e alaranjadas são feitas exclusivamente para atrair pássaros e borboletas, enquanto as azuis e amarelas focam nas abelhas, que enxergam apenas espectros ultravioletas. Se o intermediário dos gametas for uma mariposa ou morcego, a melhor estratégia é florir à noite e oferecer algo para se comer ou, quem sabe, um cheiro doce e persistente. Aliás, para se ter uma ideia de sua importância na agricultura, uma única colônia de morcegos pode ser responsável pela produção anual de 9 milhões de mudas de árvores frutíferas.

Iludir ou agradar o polinizador é o que garantirá à planta que mesmo um visitante fugidio lhe ajude a gerar uma prole forte. A orquídea-cometa sabe bem como fazer isso: conhecida cientificamente por Angraecum sesquipedale, ela produz um estreito tubinho com néctar ao fundo, só alcançado pela língua de algumas espécies de mariposas, que promovem a fecundação da planta enquanto se alimentam.

Outras flores são tão rigorosas com relação a por quem permitem serem bulinadas que mesmo um inseto de comportamento semelhante ao do polinizador não poderia se passar por tal. É o caso da Cryptostylis ovata, polinizada por um tipo específico de vespinha, a Lissopimpla excelsa; da Drakaea glyptodon, visitada apenas pelas abelhas Zapilothynnus trilobatus; ou da Chiloglottis trapeziformis, polinizada por Neozeleboria cryptoides — cada uma dessas plantas emite um ferormônio específico para atrair os machos desses insetos.

A capacidade de produzir tantas adaptações, aliás, é ainda mais notável se lembrarmos que a maioria das plantas realiza essa mágica com apenas 12 nutrientes básicos. São substâncias tão elementares quanto um punhado de nitrogênio, fósforo e potássio, acrescidos de pequenas parcelas de ferro, boro, cobre, zinco, cálcio, enxofre, magnésio e manganês, além de pitadas quase insignificantes de molibdênio. Um elixir que, para uma flor, certamente deve ser afrodisíaco.

*Segunda parte da versão original de texto publicado na revista Superinteressante de março de 2012. Leia a primeira parte aqui.

postado em 29/12/2012 - Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Curso Gratuito de Orquídeas - Resumos

Nossa jardineira Carol Costa criou um curso gratuito de orquídeas, com transmissões diárias no Stories do Instagram do Minhas Plantas. O curso começou no dia 30/04 e vai até o dia 05/05. Corre lá no perfil da louca das plantas no Instagram (clica aqui) pra assistir a última aula. Ah, … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Substrato

Substrato é o termo técnico pra nomear aquilo no que uma planta é plantada. Não é a mesma coisa que “terra” (um conjunto de características físicas, químicas e biológicas a que se dá o termo técnico de “solo”), mas você pode se referir a ele como a “terrinha” na qual … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

110 atividades de jardinagem

Ficar preso em casa, reclusão, quarentena, confinamento, não importa como é chamada essa temporada. Para evitar a propagação do Covid-19, muitas pessoas ficarão em casa o maior tempo possível. Adultos trabalharão no modo home office, crianças não irão às escolas e idosos permanecerão em seus lares. Mas, como diz nossa jardineira … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

Palhinhas protetoras

Quando pensamos em cultivar plantas, imaginamos que basta um pouco de terra ou substrato e, de vez em quando, adubo e água. Essa regra parece que é suficiente, seja para jardim, canteiro de horta ou apenas um vaso dentro de casa. Mas, entre o solo e as verdinhas, precisa ser … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Jardim vertical

Com os espaços cada vez menores em casas e apartamentos, a jardinagem precisou se adaptar e… escalar paredes! Jardins verticais, painéis verdes, quadros vivos, os nomes variam, mas a técnica é a mesma: trabalhar vasos presos na vertical, bem pertinhos uns dos outros, com ou sem irrigação automatizada, liberando espaço … (+)
Leia mais
© Juliana Valentini/De Verde Casa

Flor preferida pelas "fadas" tem ação diurética

Há cerca de um ano comprei, na Sabor de Fazenda, uma mudinha de gervão (Stachytarpheta cayennensis). Foi depois de ouvir a Sabrina contar, numa aula para crianças, que uma antiga lenda diz que as fadas gostam de comer suas flores. Já conhecia a espécie mas nunca tinha visto plantas bonitas, … (+)
Leia mais
© Carol Costa/Minhas Plantas

Entenda os termos bizarros que os botânicos usam

Você tem uma planta e não sabe o nome. Ganhou uma orquídea, mas não tem a menor ideia de como cuidar dela. Encontrou insetos na sua horta e gostaria de acabar com eles sem comprometer sua salada. Foi para resolver problemas como esse que eu criei o site Minhas Plantas, … (+)
Leia mais
© Sergio Oyama Jr./Orquídeas no Apê

7 truques para cultivar orquídeas em apartamento

O cultivo de orquídeas em apartamento tem se tornado cada vez mais comum, por uma série de diferentes razões. Sob estas condições não naturais, itens corriqueiros como espaço, luz natural e umidade tornam-se artigos de luxo. Nos tópicos a seguir, vamos discutir um pouco sobre as principais dificuldades de se … (+)
Leia mais
© Divulgação

Colecionador Mauro Rosim dá dicas para ter orquídeas

Se você gosta de orquídeas e costuma navegar pela net à procura delas, com certeza já viu várias fotos das plantas dele. Agora, se você gosta mesmo de orquídeas, provavelmente é como eu e minha amiga Carol Costa, fãs de carteirinha dele. Estou falando de Mauro Rosim, paulista de nascimento, … (+)
Leia mais
© Juliana Valentini/De Verde Casa

O alho que vira comida e arranjo de flor

Conheci o alho-mineiro (Allium sativum de variedade desconhecida) pelas mãos da Cidinha, que conheci pelos frutos da Missão Cambuci. Ela, o marido Winfried e o filho Daniel vieram ao sítio ver minhas experiências com a espécie em extinção e me trouxeram dentes do alho de presente. Mal sabia eu que … (+)
Leia mais
© Juliana Valentini/De Verde Casa

A bactéria que controla infestações de lagarta

Horta precisa de supervisão diária com olhos atentos e detalhistas, senão, é uma bobeadinha só e alguém come suas hortaliças antes de você. Ontem no final da tarde, enquanto regava a minha, descobri que as rúculas estavam sendo comidas. Alguns pés já estavam sem folhas, enquanto outros ainda pareciam intactos. … (+)
Leia mais
© Sergio Oyama Jr./Orquídeas no Apê

A orquídea que custa tão caro quanto um iPad (novo!)

Essa orquídea rara foi descoberta na década de 1960, por José Dias de Castro, e logo tornou-se uma das mais cobiçadas e valiosas flores do país. Além da forma e simetria perfeitas, o que a torna tão especial é o fato de que, até os dias de hoje, as mais … (+)
Leia mais
© Juliana Valentini/De Verde Casa

Faça etiquetas de identificação quase indestrutíveis

Já há tempos estou para mostrar um jeito definitivo de identificar plantas e qualquer coisa que esteja ao ar livre e precise carregar um nome por muito tempo. Nossas plaquinhas de alumínio são prata da casa; foram inventadas aqui mesmo, no viveiro, diante da necessidade de identificar as mais de … (+)
Leia mais
© Alexandre Pavan/Minhas Plantas

A mulher que cria plantas dentro de lâmpadas

Juliana acordou um dia com a pontinha do dedo mindinho do pé direito meio verde. Se esforçou para lembrar de alguma pancada, quem sabe um tropeção de madrugada. Nada. Na semana seguinte, seu-vizinho também estava verde – claramente verde e não o roxo esverdeado típico dos hematomas. Juliana não saía … (+)
Leia mais
© Sergio Oyama Jr./Orquídeas no Apê

Como a natureza embrulha as orquídeas para presente

Quando chega o momento de uma orquídea Phalaenopsis florescer, ela simplesmente emite uma haste, desenvolve botões florais e os mesmos se abrem, no momento oportuno. No caso das orquídeas do gênero Cattleya e suas parentes próximas, Brassavola, Laelia e Sophronitis, a coisa é um pouco mais complicada. Para nós, que … (+)
Leia mais
© Juliana Valentini/De Verde Casa

L"Occitane lança linha com ativos de plantas brasileiras

Passei alguns minutos do final da tarde de hoje filosofando a respeito de uma história que li na internet. Iram Leon, um corredor de 32 anos, tem câncer no cérebro e venceu uma maratona empurrando a filha Kiana em um carrinho. "As pessoas não deveriam começar a viver quando disserem … (+)
Leia mais
© Sergio Oyama Jr./Orquídeas no Apê

Colecionador premiado ensina a montar orquidário

Duas características sempre me chamaram a atenção em relação ao entrevistado de hoje. Primeiro, o vasto conhecimento que ele possui sobre orquídeas e orquidofilia. Foi através de seus artigos, mensagens e tutoriais que aprendi a maior parte das coisas que hoje sei sobre o assunto. A segunda característica, não menos … (+)
Leia mais
Mais