Aprenda a linguagem das plantas

© Bruno Geraldi

Plantês para iniciantes


Treine sua sensibilidade com este exercício simples, feito um minuto por dia, e veja como falar a língua das plantas ficará super fácil
Por Carol Costa

As pupilas estavam tão dilatadas que mal se via o amarelo nos olhos da gata. O rabo balançava freneticamente enquanto ela mirava minhas mãos. Eu caminhava feliz e cambaleante para minha primeira lição de Gatês: nunca mexa com uma gata com filhotes. Especialmente se você tiver dois anos e for uma completa desconhecida para o bicho, como era meu caso. Minha mãe percebeu a tragédia que se anunciava assim que ouviu o bufado típico da gata brava, um aviso que eu só aprendi a reconhecer anos depois. Dona Bia saltou em minha direção, mas já era tarde. Assim que eu tentei tocar os gatinhos aninhados na caixa de papelão, a mãe deles me deu uma violenta patada no braço. Guardo a cicatriz do arranhão até hoje, um atestado de que a lição foi aprendida.

Ao longo do nosso convívio com outros seres vivos, aprendemos a falar muitos idiomas. Qualquer pessoa é capaz de reconhecer um cachorro feliz, com seu rabo balançando como um espanador tresloucado, os dentes à mostra num esgar tão loquaz quanto um sorriso. Quem foi criado no campo também fala outros dialetos. Um cavalo com as orelhas bem baixas está prestes a morder ou dar um coice. Um coelho em pé sobre as patas traseiras, com o nariz mexendo e as orelhas eretas está buscando comida.

Aprenda a linguagem das plantas e converse com elas


Falar Gatês, Cachorrês ou mesmo Cavalês pode parecer mais fácil que Plantês, mas não é. Todo o alfabeto vegetal está à vista de quem tem olhos para observar antes de agir, contemplar em vez de dominar, conhecer e não julgar. Entender o que uma planta fala não é dom especial nem talento para poucos, não. Essa é uma sensibilidade fácil de treinar, quer ver só?

Escolha um lugar verdejante que você possa observar todos os dias por um minuto, ao longo de uma semana. Pode ser seu quintal, a praça onde você espera o ônibus, o pátio florido da escolinha do seu filho, o jardim da empresa em que você trabalha. Pode até ser um único vaso de planta que você tenha na sua mesa. Todos os dias, no mesmo horário, pare um minuto para observar esse cantinho verde. Olhe as folhas, seu tamanho, formato, textura e colorido. Repare em como o cabinho une a folha à planta, na consistência que o vegetal tem, se parece áspero, seco, macio, aquoso. Tente não falar, tocar ou interagir com seu objeto de estudo. Só observe, imóvel, por sessenta segundos e nada mais.

Observe e escute suas plantas


Depois de alguns dias, o invisível começará a saltar aos olhos. Você talvez repare que a folha tem uns pelinhos, que o verso possui um tom diferente da frente, que um botão de flor parece estar surgindo do meio da touceira. É possível que os serezinhos minúsculos que habitam esse vaso também se manifestem. Tatuzinhos podem aparecer e caminhar sobre a terra, uma mosquinha fugaz talvez risque o ar, quem sabe até um passarinho ouse surgir. Se tiver seguido o exercício direitinho, em uma semana você terá se iniciado em Plantês e estará uma lição à frente de quem acha que planta não se comunica com a gente.

Quando sua violeta murchar as folhas, na próxima vez em que a roseira se negar a florir, assim que você pousar os olhos naquela Phalaenopsis sofrida, esquecida no parapeito da área de serviço onde nunca bate sol, vai ser mais fácil entender a sinalização da planta. Porque ela não é birrenta (ufa, ainda bem!) e nos avisa do que gosta assim, molezinha. É só observar com atenção. Vem cá pra aula avançada de Plantês.

Como entender as plantas e descobrir onde plantá-las


Folhas gordas e carnosas indicam que aquele serzinho vem de um lugar seco. Se forem duras e envernizadas, como as do chapéu-de-praia ou do Ficus lyrata, mostram que vivem no sol e no vento. Se têm um jeitão de pena, com as folhas parecendo pássaros ao vento, é certeza de que suportam de brisas a vendavais — taí o grupo das palmeiras que não me deixa mentir. Se as folhas são amplas e fininhas, como as da bananeira, são moças de sombra e não ligam para desidratação, porque folhona exibida assim é luxo que só pode ser ostentado por planta de local muito úmido. Folhagens brancas refletem melhor a luz e não superaquecem, como acontece com a cinerária e a chuva-de-prata. Flores vermelhas, amarelas e alaranjadas atraem pássaros, enquanto as azuis e violetas são as preferidas das mamangavas. Flores grandes, brancas e muito perfumadas foram feitas sob medida para polinizadores ceguetas, mas de faro aguçado, caso de morcegos e mariposas (é por isso que o cheiro da murta e da gardênia fica mais forte à noite).

Tá vendo como são legais esses seres clorofilados? Eles não PRECISAM da gente, mas até que dão uma mão e nos ensinam uns truques se quisermos cuidar melhor deles. Plantas avisam até quando não estão bem num lugar. Fica enrugadas, enrolam as folhas em canudinhos, tombam a folhagem transformando os ramos em uns pescocinhos molengas e deprimidos. Caem as flores, os brotos nascem pequenos, as folhas velhas se cobrem de vermelho, amarelo, roxo, marrom. Aparecem manchas, pintinhas, auréolas queimadas, pragas mil. Tudo parece dizer "não tô feliz!".

Até o mais prosaico matinho do seu quintal fala Plantês. Tem samambaia demais nascendo na sua terra? O solo está ácido. Aparece trevo em abundância? Coloca mais cálcio na adubação, um pouquinho de farinha de osso, umas cascas de ovos trituradas no liquidificador e, voilá!, o trevo some.

Começa hoje a exercitar esse jardineiro atento que vive aí dentro de você. É divertido e você nunca mais vai perder uma planta sem saber o motivo. Bom, a menos que você fique esperando o cacto arranhar sua mão numa tentativa de evitar que você coloque mais água no vaso...

Publicado na Revista Natureza – 361

postado em 25/10/2018 - Leia mais
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