O jeito mágico como as árvores viajam
Minha avó foi uma cigana moderna: morou em mais cidades do que ouvi falar em todas as aulas de Geografia do Ensino Médio. Viajar para visitá-la era tão freqüente na minha família que eu quase nasci em um trem a caminho de Piracicaba. Mulher de temperamento solar e liberto, ela se cansava das casas com a mesma velocidade que enjoava dos maridos – foi casada três vezes, um escândalo para a época.
“Sua madrinha vai mudar outra vez!”, comentava minha mãe, desapontada, ao fim de um telefonema para São Sebastião, Rio das Pedras, São Paulo, Ilhabela. Nas casas de minha avó sempre havia caixas pelos cantos – algumas iam de um CEP para outro sem jamais serem abertas. Perdi a conta de quanto dinheiro ela gastou com rescisões de contrato de aluguel. Dona Vera simplesmente não criava raízes.
Foi dessa mulher franzina, mas poderosa, que herdei o gosto por viajar – além de uma preguicinha básica para cozinhar. Eu e meu marido não temos salários de cinco dígitos, então, uma rigorosa programação antecede nossas viagens. Como não temos filhos, as pessoas costumam achar que a única coisa com que nos preocupamos é em fazer as malas. Quem me dera!
Tenho quatro gatos e 151 vasos de orquídeas, sem falar na jabuticabeira, na árvore-da-felicidade, no manacá-de-cheiro, na cerejeira japonesa e num animado filodendro, para citar as plantas mais beberronas de água. Alimentar essa fauna e flora não é moleza: os gatos consomem 4 kg de ração por mês e as verdinhas são regadas diariamente – sim, faça chuva ou faça sol, já que a água que cai do céu mal dá conta de umedecer a terra do canteiro.
Vivo buscando truques para manter bichos e plantas bem cuidados mesmo que à distância. E criei gosto por viagens “verdes”, aquelas onde a paisagem e o contato com a natureza valem o passeio. Aos poucos, descobri que é possível, sim, fazer turismo sem abrir mão de nossos valores e do respeito pelo planeta.
Lá no Jardim Eterno, Dona Vera talvez se anime em saber que sua neta virou uma viajante com raízes.